terça-feira, 3 de julho de 2018

| Resenha | O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco

O Pêndulo, lá em cima, de onde pendia, e ao longo do infinito prolongamento ideal do fio, para o alto em direção às mais remotas galáxias, estava, imóvel por toda a eternidade, o Ponto Fixo. A Terra girava, mas o lugar onde o fio estava ancorado era o único ponto fixo do universo. Por isso, não era propriamente à Terra que o meu olhar se dirigia, mas ao alto, lá onde se celebrava o mistério da imobilidade absoluta. O Pêndulo dizia-me que, embora tudo se movesse, o globo, o sistema solar, as nebulosas, os buracos negros e todos os filhos da grande emanação cósmica, desde os éons primitivos à matéria mais viscosa, um único ponto permanecia, eixo, cavilha, engate ideal, deixando que o universo se movesse em torno dele.
Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, pág. 17.
O Pêndulo de Foucault é praticamente uma enciclopédia literária sobre religião, história, misticismo e ocultismo. Essa obra, escrita pelo grande intelectual italiano Umberto Eco, foi o resultado de uma pesquisa extraordinária acerca de teorias conspiratórias, seitas secretas ao longo da história, e diversos sistemas de crenças, desde o método cabalístico distintivo da religião judaica, até os rituais de religiões de matriz africana, como a Umbanda brasileira.

Esse livro tornou-se a proforma dos romances policiais conspiratórios, uma vez que converteu-se num modelo a ser seguido por demais escritores, além de ser uma fonte de informações inesgotáveis para a produção de diversas obras dessa temática. É interessante observar como Eco consegue conjugar com tamanha harmonia o conhecimento erudito de manuscritos clássicos da história cristã com o conhecimento popular e as tendências modernas de “multiinformação” nascidas na cultura de massa.
O livro é dividido em 10 partes representadas pelas dez Sefirot, as dez emanações que formam a Árvore da Vida na Cabala. Essa referência aos dez estágios de Ain Soph, o “Deus” da cabala, na estruturação das partes do romance evidencia a genialidade do trabalho de construção da obra literária por Umberto Eco, uma vez que a organização dos segmentos do romance seguem uma sequência de “pilares” ou “estágios” de desenvolvimento da trama interligados a esse sistema ritualístico ilustrado no livro.
A Cabala, sistema filosófico-religioso do judaísmo com base na atribuição de alegorias e números às letras do alfabeto hebraico, cumpre um papel muito relevante na obra, uma vez que é conferido um tratamento da matemática por uma dimensão religiosa. Assim, a grandeza infinita dos números representa na obra uma bela metáfora da infinitude do conhecimento humano, tanto quanto o caos das fórmulas matemáticas e equações numéricas, que constituem um mistério para a humanidade, estabelecem uma analogia à profusão de ciências e faculdades que surgem a cada dia.
illuminati pendulo de foucault
A trama se inicia com um dos editores da Garamond, Causabon, escondido no Museu de Artes e Ofícios de Paris, aguardando um encontro com seu amigo Jacopo Belbo, que fora sequestrado por uma sociedade secreta dos cavaleiros templários. Este encontro revelaria o mistério do Pêndulo de Foucault, relacionado à teoria do “Plano”, que contém os segredos do universo e uma conspiração global envolvendo os templários.
Após essa cena, a narrativa regressa para 1980, em Milão, quando os três editores, Belbo, Causabon e Diotallevi, se conhecem e passam a trabalhar juntos na respeitável Garamond, uma editora cultural, conhecida por publicar obras eruditas e publicações acadêmicas de prestígio. Um selo alternativo da editora, Manuzio, foi criado com o propósito de divulgar livros mais comerciais sobre ciências ocultas.
Um dia, apresentou-se na Editora o coronel Ardenti afirmando que tinha descoberto um plano secreto de dominação mundial envolvendo o Santo Graal, elaborado pelos cavaleiros templários, que existiam até a atualidade. Ardenti tinha a intenção de publicar um livro contando essa história, a qual despertou grande interesse em Belbo e Causabon. Logo após essa visita à editora, Ardenti desaparece e a polícia passa a suspeitar de Belbo e Causabon, pois foram os últimos a ter contato com o coronel antes de seu desaparecimento.
Causabon decide distanciar-se daquele mundo de ocultismo e parte para o Brasil, lá vive um romance com uma brasileira, Amparo, e tem uma experiência num ritual umbandístico por meio do qual sua namorada incorpora uma entidade espiritual, o que causa o término do casal. Assim, Causabon retorna à Itália e volta a trabalhar na antiga editora.
o pendulo de foucault experimento
De volta à Garamond, Belbo, Causabon e Diotallevi, praticante da Cabala, passam a ler todo o tipo de manuscritos sobre ocultismo, misticismo e teorias da conspiração. Após tantas leituras, os três formulam sua própria teoria conspiratória, o “Plano”, que começou como um jogo, uma brincadeira de editores cansados de tantas especulações conspirativas, acaba por deixá-los obcecados, passando a acreditarem que o Plano era mesmo real, uma Conspiração Universal, que envolvia diversas seitas secretas de milhares de anos de existência. A argumentação do narrador é tão convincente, que capta o leitor para a narrativa fazendo-nos acreditar ou pelo menos duvidar do caráter fictício de teorias tão bem costuradas.
Por fim, Belbo é sequestrado por uma das seitas descritas por Argenti, e Causabon deve encontrá-lo na tentativa de resgate à meia noite no Conservatório de Artes e Ofícios de Paris, num ritual em torno do Pêndulo de Foucault, que revelaria segredos tão terríveis os quais comprometeriam toda a humanidade. O desfecho da obra traz uma grande reviravolta na história, à altura de uma revelação estarrecedora da mais extravagante teoria da conspiração.
Essa obra, acima de tudo, aponta os perigos do fanatismo a que um indivíduo ou grupo de pessoas podem chegar por meio da obsessão por informações de sistemas de conspiração secretos, teorias da história oculta e o misticismo elevado a um grau desmedido. Como o próprio Eco afirma, na obra que o consagrou internacionalmente como escritor: “Os livros não são feitos para alguém acredite neles, mas para serem submetidos à investigação. Quando consideramos um livro, não devemos perguntar o que diz, mas o que significa.” (O Nome da Rosa, Umberto Eco).
Por último, O Pêndulo de Foucault não é uma obra de leitura fácil ou rápida, é preciso ter paciência e diligência para chegar até as últimas páginas, esse trabalho, no entanto, pode proporcionar uma experiência literária única, que é a leitura de um verdadeiro manancial de conhecimento humano. Para finalizar, incluo aqui mais uma frase desse autor, que foi um grande literato e um dos maiores intelectuais da humanidade, deixando-nos como herança a inspiração da busca pelo conhecimento: “Quem não lê, quando chegar aos 70 anos terá vivido só uma vida, quem lê terá vivido 5 mil anos.” (Umberto Eco)

O experimento de Léon Foucault

Em 1851, Léon Foucault comprovou por meio de um experimento o movimento de rotação da Terra em torno de seu próprio eixo, utilizando-se da oscilação de um longo e pesado pêndulo suspenso no Panthéon, em Paris. Esse experimento ficou conhecido como o Pêndulo de Foucault.

Polêmica: O Pêndulo versus O Código Da Vinci

o codigo da vinci capaDurante a leitura de O Pêndulo de Foucault é quase inevitável perceber a semelhança desta obra com o livro O Código Da Vinci, de Dan Brown, que popularizou os romances policiais conspiratórios. O mote de ambos os livros é quase o mesmo, uma conspiração em torno do Santo Graal que revelaria um segredo divisor de águas para a humanidade
Sobre a comparação entre as duas obras, Umberto Eco declara: “Eu inventei Dan Brown. Ele é um dos personagens grotescos do meu romance que levam a sério um monte de material estúpido sobre ocultismo. Em ‘O Pêndulo de Foucault’, eu havia inserido um bom número de ingredientes esotéricos, que podem ser encontrados no Código Da Vinci. Os meus personagens, ao elaborarem os seus projetos, levam em conta a importância do Graal, por exemplo. (…) Ao pesquisar para escrever ‘O Pêndulo de Foucault’, eu esvaziei todas as livrarias que já se especializavam nessa “gororoba cultural”. Dan Brown copia livros que podiam ser encontrados trinta anos atrás nos sebos da Rue de la Huchette, em Paris. O sucesso pode ser explicado pelo fato de que os autores desses best-sellers levam tudo isso a sério, e ainda pelo fato de que as pessoas são sedentas por mistérios.” (Fonte: aqui.)

Ficha Técnica







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Título: O Pêndulo de Foucault
Título original: Il Pendolo di Foucault
Autor(a): Umberto Eco
Tradutor: Ivo Barroso
Editora: Record
Edição: 2016 (16ª)
Ano da obra / Copyright: 1989
Páginas: 670
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O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco

Autor: Felipe Aquino
Em síntese: O novo livro de Umberto Eco é rico em erudição, a tal ponto que se torna difícil perceber a trama do seu enredo debaixo de tantos e tão variegado quadros descritos pelo autor. Todavia pode-se dizer que o autor tenciona censurar a “Síndrome de Suspeição”, ou seja, a sede imaginosa de mistérios, segredos ou do Invisível que possa estar oculto sob a face das coisas visíveis; o livro é uma sátira dirigida à procura irracional de respostas na numerologia, astrologia, magia, demonologia. Etc. Acontece, porém, que Umberto Eco fere também o conceito de Deus e a mensagem evangélica, insinuando paradoxalmente que Deus é o Caos ou o Nada. Cai assim no neopositivismo, que recusa a metafísica e só valoriza o imediatamente perceptível. Desta maneira o livro, que tem seus aspectos positivos ou valiosos, assume caráter negativo, pouco condizente com a mensagem cristã. A fartura de erudição do autor leva-o a descer a por menores cansativos, que dificultam a leitura, exigindo do leitor boa dose de perseverança em seu propósito.
Umberto Eco já é conhecido no Brasil pelo seu romance “O Nome da Rosa” (cf. PR 275/1984, pp. 330-340; 303/187, pp. 367-372). Tão famoso se tornou este livro que o subsequente – “O Pêndulo de Foucault” – já era  best-seller antes mesmo de vir a lume. Traduzindo para o português, o romance “O Pêndulo de Foucault” é obra de 613 pp.,¹ que dificilmente são lidas por um leitor mesmo de cultura média; pode-se crer que nem todos cheguem ao fim, de tal modo é o livro cheio de citações, referências matemáticas, históricas, ocultistas, etc. Umberto Eco parece querer dar um show de erudição, cujo fio condutor é ofuscado pela densidade de suas páginas. Como quer que seja, o livro tem chamado a atenção do público, que pergunta: qual o significado ou qual a intenção de Umberto Eco ao escrever tal romance? – É o que tentaremos examinar brevemente nas páginas seguintes.
O Enredo do Livro
Como “O Nome da Rosa”, também “O Pêndulo de Foucault” começa pelo fim de uma estória. Com efeito; Pim Casaubon se encontra no Conservatoire des Arts et Métiers de Paris, onde está guardado o pêndulo de Jean Bernard Léon Foucault (1819-1868), que serviu para evidenciar a rotação da Terra. O Conservatório é visitado por estudiosos e turistas, que no fim do dia se retiram. Pim Casaubon quer permanecer no Museu durante a noite; por isto esconde-se dos guardas atrás de uma miniatura da Estátua da Liberdade. Durante a noite assiste a um sabá, ¹ que termina com o enforcamento de Jacopo Belbo no Pêndulo de Foucault.
Casaubon consegue fugir depois disto e vai para a casa de campo de Jacopo. Ali evoca mentalmente as etapas da sua própria vida e as aventuras por que passou. Ei-las sumariamente:
Em 1970 Pim Casaubon elaborava uma tese de Doutorado a respeito dos Templários ². Não era entusiasta dos movimentos estudantis que haviam convulsionado a Europa em 1968. Conheceu Jacopo Belbo, intelectual e filólogo, frustrado e cético, que no seu computador anotava as suas derrotas de homem, para a publicação, livros de outros autores com certa indiferença e desprezo. Sofria de melancolia existencial, de modo que se fazia de “simples espectador do mundo”, mas portador de uma sede de Absoluto que se dissimulava sob a sua conduta de vida libertina. Jacopo tinha um colega de trabalho, chamado Diotallevi, devoto cultor da Cabala, um tanto judaizante, um tanto agnóstico, mas fascinado pelo mistério da Divindade. Diotallevi colaborava com uma Editora de Milão propagadora de obras de ocultismo.
Um dia, nessa Editora Garamond, apresentou-se um coronel, de nome Ardenti, portador de um manuscrito sobre a história dos Templários: segundo  esse texto, os Templários não teriam desaparecido, mas estariam às ocultas, prósperos e aguerridos. Sim; quando em 1312 o rei Filipe IV o Belo da França obteve a supressão da Ordem, um grupo deles terá conseguido escapar para a Escócia e associar-se a uma Loja de pedreiros, que eram detentores dos segredos do Tempo de Salomão; tendo-se fundido com os pedreiros (futuros maçons a partir do século XVIII), os Templários se teriam espalhado por toda a Europa, transmitindo aos seus iniciados um Grande Segredo… Grande Segredo que seria um plano para conquistar o mundo e que entraria em execução no momento oportuno.
Então os três amigos – Pim Casaubon, Jacopo Belbo e Diotallevi -, que forneciam títulos de obras à Editora Garamond, se deixaram fascinar pelo anúncio de tal plano e seus segredos ainda ocultos. O Coronel Ardenti desapareceu, deixando-lhe um pergaminho que, devidamente interpretado, lhes poderia fornecer pistas para decifrarem o Grande Segredo. Assim empolgados, os três amigos puseram-se a pesquisar tudo o que na história tenha havido de ocultismo. O leitor então é colocado diante de cenas de magia, astrologia, gnose, demonologia, maçonaria, hermetismo, ritos druídicos¹, bruxarias, umbanda (do Rio de Janeiro); o livro faz a análise das dez Sefirot da Cabala, manifestações de Deus mediante as quais a Cabala afirma que o mundo foi criado; ² procuram-se analogias, referências e relações entre números, símbolos, nomes, etc. Os três amigos, nesse percurso de ocultismo, perdem a noção  da diferença entre realidade e sonho, história e lenda, razão e sugestão; identificam-se com as indicações dos mestres do ocultismo, dos “Iluminados”, entregando-se a associações e combinações fantasiosas, delirantes… Diotallevi chega a confessar que realmente pode haver uma trama secreta para assumir a hegemonia do mundo; a história não seria senão a batalha travada pelos homens para descobrir e reconstituir a mensagem ocultista que comunica o poder sobre o mundo inteiro.
Eis, porém, que toda essa euforia desemboca em grande e irônica decepção. Com efeito; alguns homens “diabólicos” acompanham os estudos dos três amigos e levam a sério a suposição de que eles estão na pista para decifrar o plano de conquista do mundo; Belbo, segundo eles, devia ter o mapa revelador do Grande Segredo. Recorrem então extorsão: ou Belbo lhes entrega esse mapa ou será enforcado no Pêndulo de Foucault… Belbo então perde o entusiasmo e começa a “pisar no chão”; ou mentirá ou se deixará matar. Prefere a segunda alternativa para não sofrer vexame; os “Diabólicos” continuariam a procurar depois da morte dele (…)Ora o enforcamento de Belbo ocorre realmente, como o pôde ver Casaubon. Os “Diabólicos” então se apoderam do famoso pergaminho deixado pelo Coronel Ardenti, abrem-no e verificam que não era mais do que… “um rol de roupa enviada à lavadeira”!
Os dez capítulos do livro têm por títulos os nomes dos dez Sefirot (Keter, Hokmah, Binah, Hesed, Geburah, Tiferet, Nezah, Hod, Jesod, Malkut); isto talvez para indicar que a aventura dos homens ou a sua batalha para conquistar o poder se desenvolve dentro de uma prisão; os homens não chegam a resultado algum, apesar de muito lutar entre si.
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A Mensagem do Livro
1. Pode-se dizer que, através das suas densas e eruditas páginas, Umberto Eco quer denunciar “a Síndrome da Suspeição” ou “a mania de procurar segredos, significados ocultos, planos misteriosos em todos os acontecimentos e em todas as coisas da história”. Os homens não sabem resignar-se  a viver entre realidades naturais, concretas e simples, mas procuram complicar, suspeitando sempre a existência de algo invisível por trás do que lhes é visível; em consequência, criam fantasmas, imaginam coisas secretas irreais e se tornam prisioneiros das suas próprias ilusões. O livro termina com estas palavras de Casaubon:
“É noite alta, vim de Paris esta manhã, onde deixei demasiadas pistas. Já terão tempo de adivinhar onde estou. Daqui a pouco chegarão. Queria escrever tudo que pensei desde aquela noite até agora. Mas, se eles o lessem, extrairiam de meus escritos outra nebulosa teoria e passariam a eternidade procurando decifrar a mensagem secreta que se tenha ocultado por trás da minha história. É  impossível, diriam, que nos tenha contado apenas que estava brincando conosco. Não, talvez ele não soubesse, mas o Ser nos  enviava uma mensagem através do seu silêncio.
Que tenha escrito ou não, não faz diferença. Procurariam sempre um outro sentido, até mesmo no meu silêncio. Foram feitos assim. Estão cegos à revelação. Malkut é Malkut e basta.
Mas vá-se lá dizer-lhes. Não têm fé.
E agora tanto faz estar aqui, esperando, a olhar a colina.
É tão bela” (p. 613).
Assim “O Pêndulo de Foucault” é a acusação feita àqueles que não sabem aceitar as coisas como elas são. Declarou o próprio Umberto Eco ao repórter F. Adornato em entrevista publicada por L’Espresso de 9/10/1988, pp. 96-99:
“Uma doença apoderou-se da cultura e da política da nossa época. Foi por isto que escrevi “O Pêndulo”; quis denunciá-la. É a doença da interpretação que influenciou tudo: a teologia, a política, a vida psicológica. O seu nome é “Síndrome da Suspeição”. O seu instrumento é a Dietrologia: ¹ atrás de um fato esconder-se-ia outro mais complexo e ainda outro e assim por diante sem fim. A vida é interpretada como um eterno complô ou, antes, como uma cadeia de complôs… Nem mesmo Deus bastaria para explicar a origem do universo. Ele mesmo é envolvido na suspeição; seria Ele realmente o único Artífice? E por que nos criou?”
Umberto Eco julga que os homens em todos os tempos foram curiosos dos segredos irracionais, dos mistérios portadores de explicações, mas inacessíveis ao comum dos homens. Em nossos dias, porém, quando duas guerras flagelaram o mundo e a humanidade ainda sofre o abalo de tantas instituições, posta à procura de soluções para novos e novos problemas, a sede de luzes
provenientes do Além ou do invisível ainda se faz mais sensível.
Vê-se, pois, que o livro “O Pêndulo…” é uma forte sátira voltada contra o mundo moderno e sua busca de respostas irracionais na numerologia, na astrologia, na magia, no Tarô, no I Ching (…) em suma: no Ocultismo.
2. Todavia, ao denunciar a sede do misterioso, Umberto Eco vai longe demais, pois lança o descrédito sobre o próprio Deus e a mensagem evangélica. Eco dá a impressão de que paradoxalmente identificada Deus e o Nada, o Caos, o Vazio:
“O Pêndulo dizia-me que, embora tudo se movesse, o globo, o sistema solar, as nebulosas, os buracos negros e todos os filhos da grande emanação cósmica, desde os éons primitivos à matéria mais viscosa, um único ponto permanecia, eixo, cavilha, engate ideal, deixando que o universo se movesse em torno dele. Eu participava agora daquela experiência suprema, eu que, embora me movesse com tudo e com o todo, eu podia ver o Quid, o Não-Movente,¹ a Rocha, a Garantia, a caligem luminósissima que não é corpo, não tem figura, forma, peso, quantidade ou qualidade, e não vê, não sente, não é apreendido pela sensibilidade, não é um lugar, nem um tempo ou um espaço, não é alma, inteligência, imaginação, opinião, número, ordem, medida, substância, eternidade, não é treva nem luz, não é erro nem verdade” (p. 11).
Deus seria indefinido ou essa negação, que destrói qualquer conceito. Assim Umberto Eco insinua o ceticismo e a descrença; zomba não somente das proposições irracionais da fantasia humana, mas também daquelas que a Lógica sadiamente formula, como seriam as atinentes a Deus “Suma Perfeição e Criador de tudo e todos”. O ceticismo de Eco transparece em outra declaração do autor contida na citada entrevista:
“Até os cientistas do positivismo do século passado de noite se reuniam em sessões para fazer danças as mesas! E Descartes? O racionalista Descartes! Também ele foi à Alemanha nas pegadas da Rosa-Cruz. Nem S. Tomás de Aquino foi capaz de excluir o poder dos bruxos. Eis uma síndrome eterna, transversal a todas as culturas; eis uma neurose milenar. De que depende? Do fato de que o primeiro e verdadeiro mistério é a vida. As  pessoas vêm ao mundo; não sabem qual é a sua origem, não sabem onde acabarão depois da morte; vivem dentro de terrível incerteza. Costumam reagir de duas maneiras: ou dizem “Esperemos o melhor” e sacodem os ombros, ou perguntam:  “Quem tem a culpa disto tudo? Quem é que está a me castigar?” Se estas perguntas se tornam obsessivas, temos a Síndrome da Suspeição, o caruncho eterno que rói a nossa saúde mental” (pp. 103s).
Na primeira parte destas declarações, Eco aponta fatos interessantes. Na segunda, porém, ao tentar indicar as causas, cede ao ceticismo e ao niilismo. Neste ponto merece a censura dos cristãos. Existem, sem dúvida, atitudes irracionais assumidas pelo homem moderno no esoterismo e ocultismo; mas não se ponha no mesmo plano a resposta cristã. Esta é precisamente o “Crepúsculo dos deuses” e de todo falso misticismo; propõe, sim, um mistério, o mistério de Deus, que não pode deixar de ultrapassar a compreensão do homem… todavia um mistério que tem suas credenciais ou um mistério cuja fundamentação pode ser controlada pela razão. O Cristianismo ensina que o fiel tem o direito de examinar os porquês da sua fé, em vez de se deixar levar pela fantasia e os sentimentos cegos.
Não é lícito ao homem destruir o Transcendente ou o seu senso religioso; sem base em Deus, que a razão reconhece como o Ser Absoluto, não se constrói o homem nem a cidade do homem. Então o desespero e o caos se apoderam da criatura. É a isto que leva o livro de Umberto Eco se o leitor não faz a distinção entre o falso “Transcendente”, construído pela imaginação, e o autêntico Transcendente, que a inteligência humana aponta nitidamente quando bem conduzida. De resto, vale a pena citar a autoridade de Mircea Eliade, notável pesquisador da história das religiões ou do senso religioso da humanidade:
“O sagrado se revela como um elemento  na estrutura da consciência. Ser ou, antes, tornar-se homem significa ser religioso” (citado por P. Poupard, Costruire l’uomo del futuro. Roma 1987, p. 131).
Aliás, vale a pena observar que outro grande pensador de nossos dias – o físico inglês Stephen W. Hawking -, desenvolvendo também grande erudição, reconhece a ordem estupenda do universo e aventa a hipótese “Deus” como algo de plausível precisamente para explicar a harmonia e a grandiosidade do cosmos. Stephen W. Hawking não professa explicitamente algum Credo, mas nas suas elucubrações está longe de identificar Deus com o Caos ou o Nada; ao contrário, Deus parece-lhe, por vezes, ser o termo de chegada de estudos e raciocínios a respeito do mundo. Eis como termina o seu famoso livro “Uma breve história do Tempo. Do Big Bang aos Buracos Negros”:¹
“Devemos todos, filósofos, cientistas e mesmo leigos ser capazes de fazer parte das discussões sobre a questão de por que nós e o universo existimos. Se encontrarmos a resposta para isto, teremos o triunfo definitivo da razão humana, porque então teremos atingido o conhecimento da mente de Deus” (p. 238).
3. Podemos outrossim dizer que Umberto Eco escarnece a procura desarrazoada do poder, que tanto move homens e sociedades em nossos dias. Esse fascínio do poder é, de certo modo, descrito mediante as palavras do Coronel Ardenti em colóquio com Casaubon e Belbo:
“É forçoso pensar num plano. Num plano sublime. Suponhamos que os Templários tivessem um projeto de conquistar o mundo e conhecessem o segredo de uma imensa fonte de poder, um segredo cuja preservação valeria o sacrifício de todo o quartel do Templo em Paris, as comendas espalhadas por todo o reino e pela Espanha, Portugal, Inglaterra e Itália, os castelos da Terra Santa, os depósitos monetários, tudo… Filipe o Belo suspeitava disso, pois de outra  forma não se compreende por que tenha desencadeado a perseguição, atirando descrédito sobre a fina flor da cavalaria francesa” (p. 120).
É o fascínio do poder que leva os homens a crimes horrendos,… crimes dos quais não colhem senão decepções:
“A mensagem de Provins não passava de um rol de roupa. Jamais tinha havido reuniões de Templários na Grange-aux-Dïmes. Não havia Plano nem mensagem alguma.
O rol da roupa tinha sido para nós um jogo de palavras cruzadas com casas ainda vazias, mas sem as definições… As pessoas têm fome de planos; se você lhes oferece um, caem em cima como uma alcatéia de lobos. Basta inventar, para que creiam. Não é necessário aparentá-lo mais imaginário do que de fato é” (pp. 591s).
“Houve alguém, Rubinstein, creio, que, quando lhe perguntaram se acreditava em Deus, respondia: “Oh não, creio… em algo muito maior…” Mas havia também um outro (talvez Chesterton?) que dissera: quando os homens não creem mais em Deus, não que é não creem mais em nada, mas creem em tudo” (p. 594).
A sátira de U. Eco neste particular é fundamentada. Com efeito; deve-se reconhecer que mais valioso do que o Ter é o Ser,… precisamente o Ser que muitas vezes não traz proveitos materiais, mas, ao contrário, contribui para a perda de “boas fatias”,… o Ser que é a honestidade, a honra, o brio, a responsabilidade, a lealdade (…).
Em suma, o livro de U. Eco parece fadado a ficar um tanto hermético aos olhos do grande público, que dificilmente perceberá o seu significado. Tenta uma crítica a falhas da sociedade moderna, mas infelizmente perde o senso da justa medida, deixando no leitor principalmente a impressão de que pouco ou nada vale a pena neste mundo; os valores e os ideais mais sublimes tendem à dissolução ao longo do percurso das 613 páginas do romance!
Este artigo muito deve ao de Ferdinando Castelli S. J.: ll Pendolo di Foucault. Deliri, traguardi e nostalgie di Umberto Eco, em La Civiltà Cattolica de 21/01/1989, n.º 3326, pp. 116-129.
¹ Editora Record, Rio de Janeiro 1989, 135 x 210 mm, 613 pp.
¹ Sabá é uma assembleia de bruxos, que, segundo os medievais, se reuniam no Sábado à meia-noite para fazer orgias sob a presidência do Diabo.
² Os Templários eram uma Ordem de Cavaleiros fundada em 1119 por Hugo de Payns e outros cavaleiros franceses para manter a boa ordem na Terra Santa e proteger os peregrinos que iam visitar o Santo Sepulcro de Jesus. Estabeleceram-se perto da esplanada do Templo de Salomão; daí o nome de Templários. O rei Filipe IV o Belo cobiçava seus bens, de modo que os acusou de graves crimes. O Papa Clemente V, no Concílio de Viena, extinguiu a Ordem em 1312 (02/04), tendo em vista a difícil situação que lhes acarretava a ingerência do rei.
¹ Os druídas eram sacerdotes celtas pagãos, que exerciam funções religiosas e políticas.
² É ilógico dizer que o Criador usou algum intermediário para criar, pois tal ato é exclusivo de Deus, que dá existência ao ser como tal, e não a alguma modalidade do ser.
¹ Vocábulo italiano que significa “a procura do que está atrás (dietro) ou escondido” (Nota da Redação).
¹ Possivelmente há aí um erro gráfico, pois mais lógico seria dizer “o Não-Movido” ou “o Movente não-movido” (Nota da Redação).
¹ Introdução de Carl Sagan. Ed. Rocco, Rio de Janeiro 1989 (18a. edição).
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb




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